O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Cidade bloqueada: Ruínas de Janeiro


O Rio de Janeiro recebeu em 17 de dezembro deste ano o título de patrimônio mundial da Unesco na categoria da paisagem cultural urbana, e se tornou a primeira cidade do mundo com essa distinção: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=17097&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia
Distinção? Uma responsabilidade, a que o Município certamente não fará jus, pelo menos ainda dentro dos próximos quatro anos.
O IPHAN, que divulga a notícia é um exemplo das Ruínas de Janeiro: o palácio Gustavo Capanema chegou a ter seus elevadores interditados neste ano: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16504&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia 
E a Biblioteca Nacional está exposta aos cupins e ao incêndio: http://oglobo.globo.com/rio/funcionarios-da-biblioteca-nacional-farao-protesto-no-centro-contra-condicoes-precarias-7094884
Não é apenas no plano das instituições federais que o descalabro reina na "paisagem cultural urbana". Em 2010, escrevi uma nota neste blogue sobre as más condições de conservação dos painéis do Profeta Gentileza, no Rio de Janeiro: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2010/09/gentileza-e-rio-de-janeiro.html

Fotografei de novo alguns dos painéis na véspera do primeiro turno das eleições de 2012. Eles estão melhores, mas não os arredores: o entorno continua sujo e descuidado, apresentando ao turista que chega na Rodoviária Novo Rio o que ele terá pela frente.
Os candidatos em que votei, por sinal, tinham compromissos firmes e explícitos com a preservação do meio ambiente natural e humano. Um deles foi Marcelo Freixo, do PSOL.
Entre os cinquenta motivos para votar em Freixo, lemos o de Cristiane Fontes, que é o da sustentabilidade: http://fechocomfreixo.com/2012/09/02/motivo-35/
Freixo sempre se comprometeu com a economia limpa, ao contrário de ex-ambientalistas como o atual secretário estadual de meio-ambiente (e deputado estadual eleito) Carlos Minc (suas convicções ecológicas não sobreviveram ao governismo e aos estímulos do capital), que chegou a enviar para a ALERJ projeto para flexibilizar toda a legislação ambiental estadual em nome de novos investimentos. Vejam este discurso de Freixo demonstrando que o governo do Estado está "na contramão do mundo, na contramão do planeta", e argumentando que o fato de Minc ter enviado novo projeto contrário à lei ambiental de que ele mesmo tinha sido autor pode ser o sinal de que não foi a lei que melhorou, mas o deputado que piorou... http://www.youtube.com/watch?v=67MtueKdmlU
Trata-se de um projeto enviado às pressas, para ser aprovado no apagar das luzes do ano legislativo. Freixo denunciou o fato. Ademais, ele tem se manifestado contra a política autoritária de remoções que tem imperado na cidade neste período de Paes Cabralina.
Votei, em 2012, na vereadora Sonia Rabello; como em 2008, primeiro ano em que se candidatou, ela se tornou a primeira suplente do PV. Espero que também desta vez consiga chegar à Câmara.
Fui aluno dela no mestrado em direito da cidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e fui seu assessor na prefeitura, há mais de dez anos. Ficou dessa época uma admiração não só pelo seu grande saber jurídico como pelo seu espírito público. Ela, que foi procuradora-chefe e diretora de patrimônio imaterial do IPHAN, além de procuradora-geral do município, e segue como professora titular de direito administrativo da UERJ, além de lecionar direito público urbano, é um exemplo  de que o advogado não pode encastelar-se nem teoricamente (daí seu diálogo com educadores, arquitetos e urbanistas) nem socialmente, o que a motivou a entrar na política.
Tempos atrás, fiz esta entrevista com ela: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=93400502 ou http://soniarabello.com.br/biblioteca/a_clareza_das_regras_juridicas_e_o_exercicio_da_liberdade.pdf
Nas respostas, a professora reitera que o direito não é monopólio dos juristas e que se deve trabalhar pela "apreensão coletiva" das regras jurídicas, para que o direito deixe de ser um privilégio.
Outras ideias imperam nas Ruínas do Ano Inteiro, no entanto. A privatização da cidade, regra de ouro da Paes Cabralina, isto é, a apropriação do que é comum por interesses privados, tem feito que as audiências públicas existam só como formalidade. Vejam este discurso de Freixo a respeito do aventado campo de golfe em terreno juridicamente contestado, da descaracterização do Maracanã e da destruição da Escola Friedenreich e do Museu do Índio em nome da eikização da cidade: http://www.youtube.com/watch?v=6qR5cdpXoJ0
Sonia Rabello, que também se opôs a esse tipo de Paes, bem escreveu que a privatização de bens públicos está no cerne da corrupção no Brasil: http://www.soniarabello.com.br/parque-do-flamengo-e-o-maracana-patrimonio-publico-que-se-esvai/
Projetos de última hora, votados às escondidas da população, não faltaram também na Gaiola Dourada (também conhecida como Câmara dos Vereadores). "Grilagem institucional" foi a alcunha que Sonia Rabello concedeu ao impressionante presente que a Câmara concedeu à especulação imobiliária, às ocultas do público, no apagar das luzes deste parlamento: http://www.soniarabello.com.br/saqueando-o-rio-institucionalmente/
A ainda vereadora conta também da vergonhosa fuga de vários de seus colegas no momento da votação do Museu do Índio:
http://www.soniarabello.com.br/tarde-negra-no-parlamento-carioca/

Um dos vereadores fujões foi apanhado bem perto da Câmara, bebendo na Cinelândia (tal é a paisagem cultural do Rio de Janeiro de hoje): http://www.jb.com.br/rio/noticias/2012/12/20/sessao-da-camara-sobre-antigo-museu-do-indio-termina-em-confusao-na-rua/.
Esse nobre legislador, que se evadiu da atividade legislativa, foi reeleito, o que bem condiz com o Rio atual: http://www.eleicoes2012.info/luiz-carlos-ramos-do-chapeu-27027/
No entanto, como há aqueles que se revoltam contra o estado de coisas (o vereador foi interpelado), é possível que renasça algo das Ruínas de Janeiro, que se fortaleça uma verdadeira luta que vença a Paes Cabralina, que é nada menos do que um estado de guerra contra o urbano. Algo que o Profeta Gentileza, nos painéis, já caracterizava como uma praga que cega, mata e conduz.


2 comentários:

  1. Seu texto é certeiro e é doloroso perceber a maioria dos políticos que não respeita nada nem ninguém! Restam poucos valentes como Freixo e Sonia Rabello, que não foram eleitos em 2012! Parabéns e obrigado pela veemência sobre as Ruínas de Janeiro...

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  2. Obrigado, Cesar. Agora, fica o trabalho de resistir à produção institucional de ruínas...
    Abraços, Pádua

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